Atlético e Cruzeiro entrará para a história do futebol como o clássico do descaso. Na verdade, toda a rodada do campeonato mineiro aconteceu normalmente. Enquanto isso em Brumadinho, ao lado, bombeiros tentavam localizar corpos soterrados pela lama tóxica em mais um crime ambiental, que provavelmente ficará impune.
Como os clubes toparam entrar em campo? Como a federação não se sensibilizou? Os próprios jogadores tiveram oportunidades para se posicionar, trocar seus videozinhos toscos e fúteis nas redes sociais por um manifesto contra a realização da partida. Não, preferiram brigar pelos três pontinhos, subir algumas casinhas na tabela.
Os cartolas devem ter corrido para contabilizar a renda, e que se dane o mundo! Milhares de torcedores também compareceram, vibraram, gritaram! A tv transmitiu, os locutores narraram, os comentaristas analisaram e os árbitros mostraram seus cartões. Vida que se segue.
A poucos quilômetros dali, pessoas clamando por ajuda, famílias destroçadas. As imagens na tv são chocantes e destroçam nossos corações. O esforço e a dedicação dos bombeiros aliviam nossas almas. No estádio muita polícia, bombeiros, ambulância. Vai que algum ¨craque¨ torce o dedinho ou as torcidas quebram o pau. O espetáculo deve ser impecável, um primor de organização!
Como adiar esse jogo??? Para que adiar esse jogo??? E o nosso calendário ultra bem organizado como fica? Vem aí a Libertadores, Brasileirão, Sul-Americana, Copa do Brasil!!!! Brumadinho já já se esquece. A tragédia de Mariana foi outro dia e ninguém se lembra mais.
Ouvi dizer que o Atlético não queria entrar em campo, mas foi vencido pelas argumentações do rival. Que não entrasse! Seria lindo, um gesto humano, sensível, e ficaria para sempre na história do futebol. Porque o futebol é não entrar em campo quando necessário, o futebol deve ser exemplo, atitude, posicionamento.
Não basta os dirigentes pedirem doações aos torcedores, não basta o jogador fazer um gol, correr em direção ao cinegrafista e gritar ¨Brumadinho¨! Que gritasse ¨eu não queria estar aqui!¨.
A bola deve ser um instrumento de paz, união, solidariedade e conscientização. Nunca de alienação! O grande problema é que perdemos a sensibilidade, os mendigos nas calçadas não nos incomodam mais, a pobreza é banalizada, favelas crescem, crimes ambientais são tratados como acidentes ambientais.
Os valores inverteram-se, os bandidos viraram heróis e a bagunça é generalizada. Vivemos o salve-se quem puder ou o último a sair que apague a luz! Em Brumadinho, as famílias estão acuadas e as sirenes continuam tocando. Tocam alto, mas não ouvimos porque estamos cegos, surdos, loucos e sós.
NOTA DO BLOG
Uma única palavra retrata esse texto: Antológico.
Comentários
0#2RE: O CLÁSSICO DO DESCASO EM BELO HORIZONTE —
ANTONIO CORREIA02-02-2019 17:02
JJ: Paulo Cezar é uma raridade no meio do futebol. Os seus artigos são bem elaborados e diferente dos que vimos em nosso jornalismo esportivo. Quando você posta no blog um texto como esse, está trazendo para os seus visitantes a qualidade e uma visão de um ex-jogador que aprendeu muito na França.
0#1RE: O CLÁSSICO DO DESCASO EM BELO HORIZONTE —
RUBRO-NEGRO02-02-2019 12:18
JJ: Realmente um artigo antológico. Paulo Cezar Caju tem uma visão objetiva do futebol e uma independência total. Os seus tempos na França mudaram muito a sua mente.
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